O Brasil tem jeito? Apenas uma razão para acreditar que não.
Não tem aqui uma análise sócio econômica, mas um visão de um brasileiro que viveu aqui nos últimos 59 anos, completados no mês de Maio de 2020.
Sou um brasileiro comum, trabalhador, que luta para sobrevivência e melhoria da sua vida, da sua família e de seu país.
Um brasileiro que teve muitas oportunidades de sair do país, como muitos amigos o fizeram, mas ficou por amor a sua terra.
Tenho o espírito do povo brasileiro, de não desistir nunca, mas que a cada passo vê sua esperança sendo arrancada e massacrada pelos acontecimentos.
E de vez em quando vê renascer suas esperanças, para logo depois as ter arrancadas novamente.
Este é o meu momento atual.
Eu tinha, mais uma vez, a esperança de que o Brasil melhoraria e mais uma vez ela está sendo arrancada e não por causa da COVID 19 ( ela vai passar em breve), mas por algo mais enraizado na vida do brasileiro.
A única razão para acreditar que o Brasil não tem jeito é a falta de esperança.
Aqui não tenho a intenção de dizer que está certo ou errado é simplesmente a expressão nua e crua de um sentimento pessoal.
Para entender o porquê acredito que o Brasil não tem jeito é necessário conhecer a história vivida, pela maioria do povo brasileiro, e que se confunde com a minha própria.
Onde tudo começa?
O início da minha história.
Venho de uma família muito humilde da região central do país.
Meu pai veio da lavoura e teve apenas 30 dias de estudos na vida, minha mãe estudou até a 4ª série do primário com uma professora na fazenda, nada formal.
Minha história começa no ano de 1961 na cidade de Santa Helena de Goías.
O primeiro de 5 filhos do casal Irani e seu José.
Depois de perambular pela região e com 3 filhos, meu pai resolveu tentar a vida na cidade grande vindo para São Paulo, onde nasceram mais dois filhos
Fomos morar na periferia de Guaianases (extremo da zona leste) em uma casa de 2 cômodos (para 5 pessoas) no ano de 1963.
O início da história do Brasil para mim.
Não tenho lembrança dessa época, mas o Brasil estava vivendo o golpe de 64, a ditadura militar.
Para minha família foram tempos muito difíceis, faltava de tudo.
O que me lembro muito bem era o frio cortante da terra da garoa, que era ainda mais acentuado pela falta de condições adequadas.
Tudo era difícil, tínhamos o mínimo para sobreviver”.
A primeira esperança.
Minha primeira lembrança desse sentimento foi na copa de 70.
Termos ganhado parecia que tudo iria melhorar, que éramos invencíveis, os melhores do mundo.
Essa era a visão de uma criança de 9 anos e, na minha memória, realmente parecia que tinha melhorado: tínhamos mais comida e a vida parecia mais fácil.
Foi a época do “milagre Brasileiro” entre 68 e 73.
A destruição da esperança.
O milagre brasileiro não durou muito e logo descobrimos as falcatruas do governo, o choque do petróleo etc.
Claro que naquela época eu não tinha uma visão de tudo isso.
E tudo que esperava conseguir não se concretizou.
A segunda esperança.
No Brasil
O cenário dos anos 70 e 80 foram terríveis.
O Brasil passou por uma ditadura, vários choques econômicos, inflação, problemas internacionais, a década perdida.
Tivemos congelamento de preços, gravíssimos problemas de abastecimento de alimentos e produtos em geral.
Mudança de moeda, moratória da dívida externa etc.
Na familia.
Embora com muitas dificuldades, a família estava prosperando, porém no final do período foi se agravando e muito a situação econômica/financeira..
Meu pai dizia (como todos) que deveríamos estudar que este era o único caminho para pessoas como nós que não tínhamos oportunidades.
Ele dizia que devíamos ter uma “profissão”.
Tivemos a sorte de estar morando em frente ao grupo escolar (na época não havia o colegial).
Era uma escola pública, mas com um ensino de qualidade.
A escola Eliza Raquel Macedo de Souza que, apesar de não ter mais o bom nível de ensino da época, existe até hoje.
Tive uma base escolar de qualidade, que me ajudou pela vida toda.
Eu sabia que se quisesse realmente melhorar de vida deveria sair daquele ambiente.
Quando chegou a hora do colégio tive que procurar um de graça já que não tínhamos dinheiro para pagar, e achei o Liceu de Artes e Ofício de São Paulo, para o qual eu fiz o vestibular..
Passei sem fazer cursinho, só com estudo e o suporte do ensino dado pela escola pública.
A fase difícil do colégio.
O colegial foram 4 anos de muitos sacrifícios e privações.
Embora o colégio era de graça, havia outras despesas: eu precisava ajudar a família, estudar e também a distância do colégio, que ficava no centro da cidade..
Tinha que levantar às 5:00 da manhã, pegar um trem para chegar no trabalho no centro da cidade às 8:00 da manhã, sair do trabalho as 18:00 horas, ir até o colégio na rua cantareira, sair de lá às 23:00 horas e pegar último trem às meia noite para chegar em casa às 1:30 da manhã para sair a 5:00 horas novamente.
E tudo isso sem a alimentação correta, foram muito dias de assistir aula com fome.
Vi meu pai perder o pouco que tinha e voltar a trabalhar como empregado de faxineiro (não que seja indigno), mas foi um grande baque para a família.
Exatamente a mesma situação que muitos dos pequenos comerciantes estão passando nos dias atuais por razões diferentes.
A destruição da esperança.
Mesmo com tantos problemas ascendeu a esperança em 1983/84 com as “DIRETAS JÁ”.
O povo saiu nas ruas pedindo mudanças e com confiança que consegueriamos melhorar nossa situação, mas não foi possível.
No colégio eleitoral ganha Tancredo Neves e logo em seguida a esperança morre junto com ele.
A terceira esperança.
Meu primeiro voto para presidente foi em 1989, após quase 30 anos sem eleições diretas.
Agora vai. Tudo vai dar certo. Tínhamos uma nova constituição
Votei no Color contra o radicalismo do Lula.
A esperança arrancada.
Não demorou muito (16 de março de 1990) e veio o confisco do dinheiro.
Iniciaram os casos de corrupção (PC Farias), hiperinflação, empréstimos fraudulentos que culminou com o impeachment do Color.
A quarta esperança.
Para mim começou com o plano real, logo depois veio a eleição do Fernando Henrique.
Votei nele nos dois mandatos.
Nestes 8 anos embora difíceis foram, na minha opinião, de prosperidade e “tranquilidade” mesmo com todas as dificuldades internacionais, econômicas e políticas.
Já em 2003 votei no Lulinha paz e amor que encheu de esperança o povo brasileiro.
Uma pessoa “fora” da história política do Brasil. Uma pessoa do “povo”, um trabalhador.
Muita gente podia comer, na classe média podíamos ir para os Estados Unidos comprar, passear e éramos bem recebido.
Claro que não sou alienado e observava os problemas, mas nada podia nos preparar para o que estava por vir.
A quarta destruição da esperança.
Logo no segundo mandato de Lula, mais decepções, descobrimos que o PT, que dizia que iria acabar com a velha política, mostrou realmente a sua cara e levou o país a regredir tudo que avançou e mais um pouco.
Aparelhamento do governo, corrupção, institucionalização das falcatruas etc, piorondo tudo o que disse que iria acabar.
Uma pequena luz no final do túnel com a Lava-Jato, políticos e empresarios presos inclusive o proprio Lula.
Mas durante este tempo vimos todos que haviam sido presos saírem da cadeia e continuar atuando na política, nas empresas estatais, com as mesma divisão entre amigos e parentes dos políticos condenados.
Depois do trauma que passamos com a Dilma, vem uma eleição que poderia melhorar tudo.
Conseguimos tirar os Petistas e o que nos sobrou ……….. Bolsonaro.
Saímos do caldeirão fervente e caímos no inferno.
Desta vez não houve sequer o tempo para iniciarmos uma onda de esperança, ela já foi abatida logo de saída.
A situação atual.
Na vida familiar.
Não posso simplesmente ignorar, que nestes 59 anos, mesmo com enormes dificuldades a vida melhorou muito.
Desde o ínicio em uma casa de dois cômodos para 5 pessoas, chegando em São Paulo com apenas malas de roupa e muita esperança.
Para hoje ser uma pessoa que conhece grande parte do mundo (mais de 50 países) e tem uma situação de classe média estável.
Porém ao comparar com amigos que saíram do Brasil e com a qualidade de vida da população em geral dos outros países é nítido o quanto estamos para trás.
A vida no Brasil.
Tudo no Brasil é muito mais difícil do que em qualquer outro lugar do mundo.
Imposto, educação, segurança, violência, desigualdade, violência contra mulheres, crianças, diversidade, etc
Não quero ficar mostrando números é só quem quiser ver e comparar. Essas informações estão disponíveis para quem quiser ver.
Em tudo que é de bom o Brasil está no final da fila e tudo que é de ruim nós somos uns dos primeiros.
A vida no mundo.
Todos os países do mundo estão passando por situações nunca vividas.
A economia e a saúde estão sendo destruídas e precisarão de muito esforço para se recuperarem.
No Brasil, além de tudo que os outros países estão passando, temos a política e a destruição das instituições.
Se as moedas estão se desvalorizando o real é o que mais se desvaloriza.
Já somos o segundo país com mais infectados, o quinto/quarto em mortes e seguindo firme para a liderança.
A maioria dos países tem planos para sair da crise e nós ainda estamos brigando se usa ou não a cloroquina.
Todas as economias irão cair e a nossa cairá ainda mais que as outras.
Todas terão enormes dificuldades para se recuperar e nós teremos maiores ainda.
Para saber disso não é preciso fazer previsão futurista é só olhar para trás e ver o que aconteceu em todas as situações, nestes últimos 59 anos.
Sempre o Brasil sai com mais dificuldade que a maioria.
Conclusão:
Sendo bem simplista, para um povo prosperar é necessário saúde, educação, segurança e investimento no futuro.
Cada um tem sua visão, porém se deixarmos de lado as paixões ou idealismos podemos verificar que:
Saúde:
Temos um dos programas de saúde mais elogiados do mundo (SUS), mas
sabemos quantas pessoas estão sem atendimento, morrendo nas filas dos hospitais.
E esta pandemia expôs claramente esta precariedade e desigualdade.
Um parente próximo pegou a covid e ficou 14 dias na uti, com todos os recursos a seu dispor e está bem e recuperado.
E vemos todos os dias dezenas de pessoas em corredores e morrendo sem ter um leito ou qualquer chance se ser atendido.
Educação:
Nossa educação é extremamente falha.
Nossas crianças e adolescentes saem sem saber ler e escrever.
Os pais, se quiserem filhos com uma melhor educação, têm que comprometer muito do orçamento familiar, porém só uma pequena parcela da população pode fazer isso.
Segurança:
O Brasil tem os maiores índices de violência, em todos os parâmetros que possamos pensar. Nossos jovens morrem aos montes e as expectativas são as piores.
Investimento no futuro:
Aqui é para mim o pior pois nosso povo, além de não estar preparado para enfrentar a situação atual, não tem a capacidade de enxergar o que está vindo.
Não tem preparação para aprender as novas habilidades e estamos caminhando para aumentar em muito a fila dos desempregados e necessitados.
A revolução 4.0 irá deixar os brasileiros ainda mais de joelhos.
A grande maioria dos países estão se preparando e nós aqui a volta de discutir se teremos um ditador ou fake news travestida de “liberdade de expressão”.
Nestes últimos 59 anos sempre avançamos em um período e retrocedemos o dobro ou triplo no período seguinte.
Para quem quiser é só observar quais os países que a 59 anos atras estavam atrás de nós e ver onde estão hoje.
Só para citar alguns. Taiwan, Singapura, Chile, Peru, Coreia, países do leste europeu etc.
Ver o mundo de perto, muda a sua visão.
Eu tive a felicidade de realizar meu sonho de fazer uma viagem a volta do mundo em 2017 e conhecer de perto muitos lugares, culturas e comparar com o Brasil.
A partir daquele momento mudei minha ideia de Brasil e comecei a incentivar a minha família e amigos a sair do país, principalmente os que têm filhos para criar.
Uma de minhas filhas já está na Itália, enquanto no Brasil e mesmo com diploma da Unicamp em engenharia química, não conseguia um bom emprego.
Estava trabalhando fora de sua área.
Hoje ela, junto com o marido, tem trabalho e só tem ótimas expectativas inclusive com muitas ofertas em outros países da Europa.
Tem uma qualidade de vida espetacular com tudo que se precisa do bom e melhor.
Outro filho com planos para o Canadá ou Portugal
Eu queria ficar e passar minha aposentadoria aqui, mas não sei se irei aguentar mais decepções.
Tenho outros amigos com planos para europa como Itália, França, alemanha e outros para a Austrália, Nova Zelândia e até para a China.
Todos estes planos estão em em espera devido a COVID 19, mas ela vai passar.
O que pode ser feito para o Brasil dar certo?
Embora possa parecer sombrio, continuo acreditando no Brasil.
Sei que de uma maneira ou de outra o povo Brasileiro vai melhorar e conseguir superar tudo que está por aí.
Esses destruidores de esperança vão passar e o povo Brasileiro vai prevalecer.
Mas para isso o povo tem que manter a esperança e trabalhar para que nossos problemas sejam resolvidos.
Eu não tenho mais a esperança de ver isso durante meu tempo de vida.
Claro que milagres acontecem, mas prefiro viver uma realidade melhor do que ficar esperando a próxima destruição da minha esperança.
E você? O que pensa do futuro do Brasil? Tem jeito?
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